sábado, 27 de julho de 2013

devo me matar ou tomar uma xícara de café?

“Minha querida, eu não sei o que fazer hoje, me ajude a decidir. Eu deveria me cortar e derramar meu coração nessas páginas? Ou deveria ficar sentado e não fazer nada, ninguém está exigindo nada, afinal. Eu deveria saltar do precipício em que meu coração bate e desenvolver minhas asas na queda? Ou eu deveria me afastar do abismo e deixar que os outros lidem com essa coisa chamada coragem? Deveria eu olhar de volta para o abismo existencial que me assombra e tentar desesperadamente agarrá-lo a partir de um senso de mim mesmo? Ou deveria eu seguir andando meio dormindo, meio olhando pra ele de vez em quando, em momentos em que não posso fazer nada além? Devo me matar ou tomar uma xícara de café?”
— Albert Camus.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

INVICTUS

À NOITE QUE AGORA ME COBRE
EM TREVA ESPESSA, IMENSURÁVEL
AGRADEÇO A DEUS QUE SOBRE…
…POR MINH’ALMA INDOMÁVEL. 
FRENTE ÀS GARRAS DA CONTINGÊNCIA…
…NÃO TREMI, TAMPOUCO CHOREI.
SE O ACASO QUISER-ME DECADÊNCIA…
…POSSO SANGRAR, MAS NÃO ME DOBRAREI.
ALÉM DESTA TERRA DE LÁGRIMA E DESDÉM,
…ASSOMA APENAS PENUMBRA, O HORROR.
O ESPECTRO DA IDADE, PORÉM…
…ME ENCONTRA E ENCONTRARÁ SEM TEMOR.
NÃO ME IMPORTA O CASTIGO DIVINO.
NEM BARREIRA QUE ME DESALMA.
SOU SENHOR DE MEU DESTINO.
SOU COMANDANTE DE MINHA ALMA.

 William Ernest Henley

quinta-feira, 14 de março de 2013

hino à Pã

(Tradução livre de Fernando Pessoa)

Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artêmis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente — do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina! Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão —
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
E a palavra do louco e do secreto
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!

sábado, 9 de março de 2013

suicídio no paganismo



Quando Psiquê tenta atirar-se de um penhasco após ser abandonada por Eros (Cupido), é Pã que a impede e aconselha:

"Ó leal criada, eu sou um pastor rústico e rude, todavia, um deus antigo, e um especialista em muitas coisas; na medida em que posso aprender por conjectura, o que, de acordo com o termo que os sábios usam, é chamado de adivinhação, eu percebo pelo teu andar incerto, pelo teu tom pálido, por teus suspiros soluçosos e por teus olhos lacrimejantes, que estás muito apaixonada. Portanto escutai-me, e não vades a matar-te e nem chorar, mas sim adorar e louvar o grande Deus Cupido, e glorificá-lo por sua suave promessa de serviço." Quando o Deus dos Pastores falou, ela não deu nenhuma resposta, mas fez reverência a ele, para o deus que ele era, e assim partiu.

A Metamorfose de Lucius Apuleio, 4. 28 – 6. 24 (romance romano séc II E.V.)
(tradução livre feita do inglês por mim mesmo)