sábado, 25 de agosto de 2012

vou ficar bem, bem sozinho

Eu digo que estou bem mas não estou, e se estou é temporário. É rápido. É até constrangedor afirmar algo que sei não ter qualquer firmamento. Estar bem agora implica em estar mal depois. Talvez eu esteja mal em um mês, uma semana, ou na próxima hora. Essa última possibilidade é a mais forte. Se estou bem nesse momento sei que no próximo não estarei. Se eu disser que não estou bem, deixarei de estar mal? Se eu disser que não estou mal, algo me fará me sentir bem o suficiente para não sentir mais mal?

Não.

Há sempre um declínio, uma ascensão seguida duma queda de humor. Eu disse que vou ficar bem, nos despedimos e eu disse "vai lá, eu vou ficar bem, não olhe pra trás". É uma mentira, não é? Eu quis acreditar, mas não sou um bom crente. Sou um crente extremamente cético. Eu queria que você olhasse para trás.

A verdade é que eu queria que todas as pessoas que passam pela minha vida e seguem sem mim olhassem para trás. Não para voltar, não para ter pena, mas só para verem o quanto eu estou sozinho. Talvez se todos olhassem de verdade para mim, além da aparência pesada e suja, percebessem que essa treva espessa encobre um fio prateado de solidão. É isso que me tortura, essa solidão, essa ausência de mim. Esse vazio. Todos meus atos desesperados para ser percebido, ser acompanhado, ser notado, são só resultados dessa solidão.

Há aquela menina que me acompanha. Não me sinto sozinho quando estou com ela. Mas às vezes, sem aviso prévio, esse fio prateado dá um nó - um nó que transpassa minha alma - e me alerta de que estou sozinho. Ela está ali, mas eu não estou, e não há solidão mais nociva do que a ausência de si mesmo.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Aos meus mortos



Cara, eu me acordei nessa cama nesse quarto branco e tudo que já vivi foram sonhos. Como se não tivesse nada, sabe? Tudo o que já vivi, romances, desejos, desesperos, promessas, esperanças, todos os momentos com pessoas que me fizeram rir e sorrir, que abracei e beijei e confiei, pessoas com que me senti seguro e crente de que me completavam; pessoas que eram fieis e irmãos que estavam sempre ali, que me ensinavam algo do que viviam e sempre estiveram comigo e até me importei; pessoas que eu procurava sempre que presenciava algo que me causasse qualquer sensação, pessoas com que compartilhei algumas ambições e até critiquei e ouvi reclamações, pessoas que eram pra sempre, sumiram. Morreram. Todos desapareceram. Aquele amor que era tudo o que eu precisava, morreu. Ganhou outra vida. Aquele amigo que era meu irmão desde a infância e que seria meu irmão até a velhice, morreu. Ganhou outra vida. Aquela melhor amiga que seria pra sempre a melhor amiga, que era quem me censurava e me conhecia tão bem e mesmo com os constrangimentos que eu causava tava sempre ali, morreu. Ganhou outra vida. Assim, estão todos mortos.

Eu poderia citar muitas outras pessoas, todas mortas. Todos meus irmãos, amigos e amores morreram. Trágico, não? Sim, pra mim é horrível, foram vários mundos desabando. Mas pra todos eles, não. Foram suicídios. Nenhuma tentativa de continuar uma vida comigo ali, apenas abdicaram disso. Disso. De mim.

E eu assisti isso. Eu chorei, o que é compreensível em um luto. Mas não foi um grande luto, foram vários pequenos lutos, e o sofrimento contínuo rasga a carne e distorce a alma. Eu deveria derramar uma lágrima por uma pessoa que escolheu me apagar? Não. Por nenhuma pessoa assim. Nem a que sempre esteve presente, nem a que esteve quando mais precisei. Mas a minha alma já estragou, seca ou não.

Aí percebi que o sofrimento não foi pelas pessoas, foi por mim mesmo. Eu fui a criatura digna de dó de mim mesmo por tanta fraqueza em acreditar que precisa de alguém. Os lutos foram pequenos, é a prova de que essas pessoas não importavam realmente, mas o sofrimento continua porque é insuportável a presença dessa única pessoa desgraçada que continuou sempre presente assistindo tantas mortes... eu. O luto é por mim mesmo.