terça-feira, 16 de outubro de 2012
[in]sensibilidade
Quando tu põe muita expectativa nas coisas, te decepciona mais do que deveria, espera mais do que pode, sofre mais do que o saudável, deseja mais do que pode, ri muito e chora muito, briga muito e insiste muito, exagera e transborda desejos, intensifica situações e confunde a realidade com a tua própria mente...
Enfim, quando tu é sensível demais, em algum momento isso vai se desgastar. Em um momento o teu mundo vai colidir com o mundo de fora e tu vai ter de conciliar isso. E não vai conseguir, porque intensifica tudo muito mais do que realmente é. Espera muito das pessoas e dos ambientes que encontra na vida. Desilusões demais. Tu abandona a razão e vive de emoções. Tu busca a arte, a expressão, a ti mesmo. Mas o mundo não quer a ti, não quer um indivíduo que sinta. Alguém que viva de paixões, alguém que seja tão dionisíaco. O mundo quer forma, não conteúdo.
Nem o mundo e nem as pessoas. Ambos vão te chutar, te fazer engolir as lágrimas e baixar a cabeça, pôr os punhos fechados nos bolsos. Tu é sensível demais para permitir que outros sentimentos existam junto aos teus. É o que chamam de egoísmo, penso eu.
E aí é que acontece o pior: tu te tornas, aos poucos, menos sensível. Tu levanta a cabeça e chuta quando te chutam. Tu mantém uma mão estendida e a outra fechada no bolso, pronta para se defender do mundo. Tu entende que o emocional pode ser controlado, pode ser acalmado, dopado, e dar lugar pro físico, pro útil, pro imediato.
Não mais sonhos, não mais sentimentos, apenas vontades. Tu te tornas pura vontade, sem expectativas e sem arrependimentos. Tu te tornas - e eu temo ser a única palavra descritiva para isso - aquilo que tu sempre desprezou: o insensível.
sábado, 25 de agosto de 2012
vou ficar bem, bem sozinho
Eu digo que estou bem mas não estou, e se estou é temporário. É rápido. É até constrangedor afirmar algo que sei não ter qualquer firmamento. Estar bem agora implica em estar mal depois. Talvez eu esteja mal em um mês, uma semana, ou na próxima hora. Essa última possibilidade é a mais forte. Se estou bem nesse momento sei que no próximo não estarei. Se eu disser que não estou bem, deixarei de estar mal? Se eu disser que não estou mal, algo me fará me sentir bem o suficiente para não sentir mais mal?
Não.
Há sempre um declínio, uma ascensão seguida duma queda de humor. Eu disse que vou ficar bem, nos despedimos e eu disse "vai lá, eu vou ficar bem, não olhe pra trás". É uma mentira, não é? Eu quis acreditar, mas não sou um bom crente. Sou um crente extremamente cético. Eu queria que você olhasse para trás.
A verdade é que eu queria que todas as pessoas que passam pela minha vida e seguem sem mim olhassem para trás. Não para voltar, não para ter pena, mas só para verem o quanto eu estou sozinho. Talvez se todos olhassem de verdade para mim, além da aparência pesada e suja, percebessem que essa treva espessa encobre um fio prateado de solidão. É isso que me tortura, essa solidão, essa ausência de mim. Esse vazio. Todos meus atos desesperados para ser percebido, ser acompanhado, ser notado, são só resultados dessa solidão.
Há aquela menina que me acompanha. Não me sinto sozinho quando estou com ela. Mas às vezes, sem aviso prévio, esse fio prateado dá um nó - um nó que transpassa minha alma - e me alerta de que estou sozinho. Ela está ali, mas eu não estou, e não há solidão mais nociva do que a ausência de si mesmo.
terça-feira, 21 de agosto de 2012
Aos meus mortos
Cara, eu me acordei nessa cama nesse quarto branco e tudo que já vivi foram sonhos. Como se não tivesse nada, sabe? Tudo o que já vivi, romances, desejos, desesperos, promessas, esperanças, todos os momentos com pessoas que me fizeram rir e sorrir, que abracei e beijei e confiei, pessoas com que me senti seguro e crente de que me completavam; pessoas que eram fieis e irmãos que estavam sempre ali, que me ensinavam algo do que viviam e sempre estiveram comigo e até me importei; pessoas que eu procurava sempre que presenciava algo que me causasse qualquer sensação, pessoas com que compartilhei algumas ambições e até critiquei e ouvi reclamações, pessoas que eram pra sempre, sumiram. Morreram. Todos desapareceram. Aquele amor que era tudo o que eu precisava, morreu. Ganhou outra vida. Aquele amigo que era meu irmão desde a infância e que seria meu irmão até a velhice, morreu. Ganhou outra vida. Aquela melhor amiga que seria pra sempre a melhor amiga, que era quem me censurava e me conhecia tão bem e mesmo com os constrangimentos que eu causava tava sempre ali, morreu. Ganhou outra vida. Assim, estão todos mortos.
Eu poderia citar muitas outras pessoas, todas mortas. Todos meus irmãos, amigos e amores morreram. Trágico, não? Sim, pra mim é horrível, foram vários mundos desabando. Mas pra todos eles, não. Foram suicídios. Nenhuma tentativa de continuar uma vida comigo ali, apenas abdicaram disso. Disso. De mim.
E eu assisti isso. Eu chorei, o que é compreensível em um luto. Mas não foi um grande luto, foram vários pequenos lutos, e o sofrimento contínuo rasga a carne e distorce a alma. Eu deveria derramar uma lágrima por uma pessoa que escolheu me apagar? Não. Por nenhuma pessoa assim. Nem a que sempre esteve presente, nem a que esteve quando mais precisei. Mas a minha alma já estragou, seca ou não.
Aí percebi que o sofrimento não foi pelas pessoas, foi por mim mesmo. Eu fui a criatura digna de dó de mim mesmo por tanta fraqueza em acreditar que precisa de alguém. Os lutos foram pequenos, é a prova de que essas pessoas não importavam realmente, mas o sofrimento continua porque é insuportável a presença dessa única pessoa desgraçada que continuou sempre presente assistindo tantas mortes... eu. O luto é por mim mesmo.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
de um amigo
Luciano, que de tanto pensar, não sabe mais ver a brisa ao andar, a esqueceu no céu que de azul acalma, e de grande desarma. Coitado desse rapaz, que fluindo pelo rio violento do mundo, caiu em um não mundo. Mas em alegrias crescem os piores demônios e na tristeza e decadência floresce a mais nobre das democracias. Rebeldia veste a face e veste o homem. A flor vive apenas alguns dias, a borboleta apenas 3, nós vivemos anos, mas sem entendermos o porquê de andarmos.
(Um amigo escreveu para mim, e resolvi postar aqui.)
(Um amigo escreveu para mim, e resolvi postar aqui.)
um medo
Não tem nada que eu tema mais do que ter me tornado insensível. Não existe algo mais horrível e desprezível no mundo do que um homem insensível, que é uma afronta para a arte e toda a essência do mundo.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
espinhos
Você é mesmo um espinho no meu lado, não é?
Uma pedra no meu sapato.
Uma divisão no meu caminho reto.
Um grito na minha leitura silenciosa.
Uma mancha naquela parede que eu acabei de pintar.
Uma pedra no meu sapato.
Uma divisão no meu caminho reto.
Um grito na minha leitura silenciosa.
Uma mancha naquela parede que eu acabei de pintar.
Aquele resto de comida presa no dente,
Aquela unha encravada no meu dedo,
Aquela espinha centralizada no meu nariz.
Algo tão insignificante, tão pequeno, e tão incômodo!
You're really a thorn in my side, aren't you?
You're really a thorn in my side, aren't you?
domingo, 1 de abril de 2012
melville
“Teus pensamentos criaram uma criatura em ti; aquele cujo intenso pensamento o transforma assim num Prometeu, um abutre pasta em seu coração para sempre, sendo o abutre a própria criatura por ele criada.”
— Herman Melville
— Herman Melville
sábado, 31 de março de 2012
intoxicado de sentir
O isqueiro acende o cigarro, que é tragado e repousado sobre um cinzeiro improvisado em uma saboneteira. Um copo com um líquido escuro é derramado em sua boca, seguido de uma tosse áspera. A mão treme e segura a caneta, mergulhando a ponta em um tinteiro. Uma lágrima cai sobre o papel estendido na mesa, e outra tragada no cigarro a segue. Soa um instrumento fortemente soprado, o que parece remeter a algo antigo e rústico. Mas não há mais ninguém ali, apenas o disco tocando, a fumaça dançante e o café amargo no copo opaco.
Ele percorre o indicador sobre a pequena mancha da lágrima sobre a folha e risca uma frase com o nanquim: "Intoxicado de tanto sentir".
Ele percorre o indicador sobre a pequena mancha da lágrima sobre a folha e risca uma frase com o nanquim: "Intoxicado de tanto sentir".
they might need rain
Os mortos não precisam comer ou beber. Também não precisam de perfume ou de algum traje que os aqueça. Nem de cigarros ou de café, suponho.
Mas devem precisar da chuva.
Mas devem precisar da chuva.
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