No tempo dos Deuses tudo
era simples como eles
e natural e humano
e eles reinavam no mundo.
Mas veio um deus usurpador e único
e tornou o mundo incompreensível
porque o seu reino não era deste mundo.
E até hoje ninguém soube por que ele expulsou
os outros deuses
e ficou reinando sozinho
e fez todos os homens pecarem
- coisas que eles jamais haviam feito antes –
porque pecar com inocência não é pecar...
E os homens conheceram o terror maravilhoso do pecado
- e assim o novo deus lhes trouxe uma volúpia nova.
- Mário Quintana
intoxicado de sentir
sábado, 16 de maio de 2015
sábado, 27 de julho de 2013
devo me matar ou tomar uma xícara de café?
“Minha querida, eu não sei o que fazer hoje, me ajude a decidir. Eu deveria me cortar e derramar meu coração nessas páginas? Ou deveria ficar sentado e não fazer nada, ninguém está exigindo nada, afinal. Eu deveria saltar do precipício em que meu coração bate e desenvolver minhas asas na queda? Ou eu deveria me afastar do abismo e deixar que os outros lidem com essa coisa chamada coragem? Deveria eu olhar de volta para o abismo existencial que me assombra e tentar desesperadamente agarrá-lo a partir de um senso de mim mesmo? Ou deveria eu seguir andando meio dormindo, meio olhando pra ele de vez em quando, em momentos em que não posso fazer nada além? Devo me matar ou tomar uma xícara de café?”
— Albert Camus.
— Albert Camus.
quinta-feira, 18 de julho de 2013
INVICTUS
À NOITE QUE AGORA ME COBRE
EM TREVA ESPESSA, IMENSURÁVEL
AGRADEÇO A DEUS QUE SOBRE…
…POR MINH’ALMA INDOMÁVEL.
FRENTE ÀS GARRAS DA CONTINGÊNCIA…
…NÃO TREMI, TAMPOUCO CHOREI.
SE O ACASO QUISER-ME DECADÊNCIA…
…POSSO SANGRAR, MAS NÃO ME DOBRAREI.
ALÉM DESTA TERRA DE LÁGRIMA E DESDÉM,
…ASSOMA APENAS PENUMBRA, O HORROR.
O ESPECTRO DA IDADE, PORÉM…
…ME ENCONTRA E ENCONTRARÁ SEM TEMOR.
NÃO ME IMPORTA O CASTIGO DIVINO.
NEM BARREIRA QUE ME DESALMA.
SOU SENHOR DE MEU DESTINO.
SOU COMANDANTE DE MINHA ALMA.
William Ernest Henley
EM TREVA ESPESSA, IMENSURÁVEL
AGRADEÇO A DEUS QUE SOBRE…
…POR MINH’ALMA INDOMÁVEL.
FRENTE ÀS GARRAS DA CONTINGÊNCIA…
…NÃO TREMI, TAMPOUCO CHOREI.
SE O ACASO QUISER-ME DECADÊNCIA…
…POSSO SANGRAR, MAS NÃO ME DOBRAREI.
ALÉM DESTA TERRA DE LÁGRIMA E DESDÉM,
…ASSOMA APENAS PENUMBRA, O HORROR.
O ESPECTRO DA IDADE, PORÉM…
…ME ENCONTRA E ENCONTRARÁ SEM TEMOR.
NÃO ME IMPORTA O CASTIGO DIVINO.
NEM BARREIRA QUE ME DESALMA.
SOU SENHOR DE MEU DESTINO.
SOU COMANDANTE DE MINHA ALMA.
William Ernest Henley
quinta-feira, 14 de março de 2013
hino à Pã
(Tradução livre de Fernando Pessoa)
Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artêmis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente — do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina! Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão —
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
E a palavra do louco e do secreto
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Vibra do cio subtil da luz,
Meu homem e afã
Vem turbulento da noite a flux
De Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Do mar de além
Vem da Sicília e da Arcádia vem!
Vem como Baco, com fauno e fera
E ninfa e sátiro à tua beira,
Num asno lácteo, do mar sem fim,
A mim, a mim!
Vem com Apolo, nupcial na brisa
(Pegureira e pitonisa),
Vem com Artêmis, leve e estranha,
E a coxa branca, Deus lindo, banha
Ao luar do bosque, em marmóreo monte,
Manhã malhada da àmbrea fonte!
Mergulha o roxo da prece ardente
No ádito rubro, no laço quente,
A alma que aterra em olhos de azul
O ver errar teu capricho exul
No bosque enredo, nos nás que espalma
A árvore viva que é espírito e alma
E corpo e mente — do mar sem fim
(Iô Pã! Iô Pã!),
Diabo ou deus, vem a mim, a mim!
Meu homem e afã!
Vem com trombeta estridente e fina
Pela colina! Vem com tambor a rufar à beira
Da primavera!
Com frautas e avenas vem sem conto!
Não estou eu pronto?
Eu, que espero e me estorço e luto
Com ar sem ramos onde não nutro
Meu corpo, lasso do abraço em vão,
Áspide aguda, forte leão —
Vem, está fazia
Minha carne, fria
Do cio sozinho da demonia.
À espada corta o que ata e dói,
Ó Tudo-Cria, Tudo-Destrói!
Dá-me o sinal do Olho Aberto,
E da coxa áspera o toque erecto,
E a palavra do louco e do secreto
Ó Pã! Iô Pã!
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã Pã! Pã,
Sou homem e afã:
Faze o teu querer sem vontade vã,
Deus grande! Meu Pã!
Iô Pã! Iô Pã! Despertei na dobra
Do aperto da cobra.
A águia rasga com garra e fauce;
Os deuses vão-se;
As feras vêm. Iô Pã! A matado,
Vou no corno levado
Do Unicornado.
Sou Pã! Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
Sou teu, teu homem e teu afã,
Cabra das tuas, ouro, deus, clara
Carne em teu osso, flor na tua vara.
Com patas de aço os rochedos roço
De solstício severo a equinócio.
E raivo, e rasgo, e roussando fremo,
Sempiterno, mundo sem termo,
Homem, homúnculo, ménade, afã,
Na força de Pã.
Iô Pã! Iô Pã Pã! Pã!
sábado, 9 de março de 2013
suicídio no paganismo
Quando Psiquê tenta atirar-se de um penhasco após ser abandonada por Eros (Cupido), é Pã que a impede e aconselha:
"Ó leal criada, eu sou um pastor rústico e rude, todavia, um deus antigo, e um especialista em muitas coisas; na medida em que posso aprender por conjectura, o que, de acordo com o termo que os sábios usam, é chamado de adivinhação, eu percebo pelo teu andar incerto, pelo teu tom pálido, por teus suspiros soluçosos e por teus olhos lacrimejantes, que estás muito apaixonada. Portanto escutai-me, e não vades a matar-te e nem chorar, mas sim adorar e louvar o grande Deus Cupido, e glorificá-lo por sua suave promessa de serviço." Quando o Deus dos Pastores falou, ela não deu nenhuma resposta, mas fez reverência a ele, para o deus que ele era, e assim partiu.
A Metamorfose de Lucius Apuleio, 4. 28 – 6. 24 (romance romano séc II E.V.)
(tradução livre feita do inglês por mim mesmo)
terça-feira, 16 de outubro de 2012
[in]sensibilidade
Quando tu põe muita expectativa nas coisas, te decepciona mais do que deveria, espera mais do que pode, sofre mais do que o saudável, deseja mais do que pode, ri muito e chora muito, briga muito e insiste muito, exagera e transborda desejos, intensifica situações e confunde a realidade com a tua própria mente...
Enfim, quando tu é sensível demais, em algum momento isso vai se desgastar. Em um momento o teu mundo vai colidir com o mundo de fora e tu vai ter de conciliar isso. E não vai conseguir, porque intensifica tudo muito mais do que realmente é. Espera muito das pessoas e dos ambientes que encontra na vida. Desilusões demais. Tu abandona a razão e vive de emoções. Tu busca a arte, a expressão, a ti mesmo. Mas o mundo não quer a ti, não quer um indivíduo que sinta. Alguém que viva de paixões, alguém que seja tão dionisíaco. O mundo quer forma, não conteúdo.
Nem o mundo e nem as pessoas. Ambos vão te chutar, te fazer engolir as lágrimas e baixar a cabeça, pôr os punhos fechados nos bolsos. Tu é sensível demais para permitir que outros sentimentos existam junto aos teus. É o que chamam de egoísmo, penso eu.
E aí é que acontece o pior: tu te tornas, aos poucos, menos sensível. Tu levanta a cabeça e chuta quando te chutam. Tu mantém uma mão estendida e a outra fechada no bolso, pronta para se defender do mundo. Tu entende que o emocional pode ser controlado, pode ser acalmado, dopado, e dar lugar pro físico, pro útil, pro imediato.
Não mais sonhos, não mais sentimentos, apenas vontades. Tu te tornas pura vontade, sem expectativas e sem arrependimentos. Tu te tornas - e eu temo ser a única palavra descritiva para isso - aquilo que tu sempre desprezou: o insensível.
sábado, 25 de agosto de 2012
vou ficar bem, bem sozinho
Eu digo que estou bem mas não estou, e se estou é temporário. É rápido. É até constrangedor afirmar algo que sei não ter qualquer firmamento. Estar bem agora implica em estar mal depois. Talvez eu esteja mal em um mês, uma semana, ou na próxima hora. Essa última possibilidade é a mais forte. Se estou bem nesse momento sei que no próximo não estarei. Se eu disser que não estou bem, deixarei de estar mal? Se eu disser que não estou mal, algo me fará me sentir bem o suficiente para não sentir mais mal?
Não.
Há sempre um declínio, uma ascensão seguida duma queda de humor. Eu disse que vou ficar bem, nos despedimos e eu disse "vai lá, eu vou ficar bem, não olhe pra trás". É uma mentira, não é? Eu quis acreditar, mas não sou um bom crente. Sou um crente extremamente cético. Eu queria que você olhasse para trás.
A verdade é que eu queria que todas as pessoas que passam pela minha vida e seguem sem mim olhassem para trás. Não para voltar, não para ter pena, mas só para verem o quanto eu estou sozinho. Talvez se todos olhassem de verdade para mim, além da aparência pesada e suja, percebessem que essa treva espessa encobre um fio prateado de solidão. É isso que me tortura, essa solidão, essa ausência de mim. Esse vazio. Todos meus atos desesperados para ser percebido, ser acompanhado, ser notado, são só resultados dessa solidão.
Há aquela menina que me acompanha. Não me sinto sozinho quando estou com ela. Mas às vezes, sem aviso prévio, esse fio prateado dá um nó - um nó que transpassa minha alma - e me alerta de que estou sozinho. Ela está ali, mas eu não estou, e não há solidão mais nociva do que a ausência de si mesmo.
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